1.C - Os Meios ou Bens

Os meios para satisfazer os desejos do homem são chamados de bens. Estes bens são todos objetos de uma ação economizadora.10 Esses bens podem ser classificados em qualquer uma das duas categorias:

  • (a)-são imediatamente e diretamente atribuidos, a contento dos desejos do ator, ou 
  • (b)-podem ser transformados em bens diretamente reutilizáveis apenas  nalgum momento do futuro — ou seja, são meios indiretamente reutilizáveis. 
Os primeiros são chamados de bens de consumo ou bens de primeira ordem. Os últimos são chamados de bens ou fatores de produção  ou de bens de ordem superior.

Tracemos as relações entre estes bens, considerando um fim humano típico: o comer uma sandes de presunto. Com o desejo de uma sandes de presunto, um homem decide que este é um desejo que deve ser satisfeito e procede ao seu julgamento sobre os métodos pelos quais uma sandes de presunto pode ser obtida. O bem de consumo é a sandes de presunto pronta a comer. É evidente que existe uma escassez deste bem, tal como existe para todos os meios diretos; caso contrário, estaria sempre disponível, como o ar, e não seria objeto de ação. Mas se o bem  é escasso e não está obviamente disponível, como pode ser disponibilizado? A resposta é que o homem deve recorrer a vários elementos do seu ambiente para produzir a sandes de presunto no local desejado — o bem dos consumidores. Por outras palavras, o homem deve utilizar vários meios indiretos como fatores de produção para chegar aos meios diretos. Este processo necessário envolvido em todas as ações chama-se produção; é o uso pelo homem de elementos disponíveis no seu ambiente como meios indiretos - como fatores de produção - para chegar eventualmente ao bem dos consumidores que ele pode usar diretamente para atingir o seu objectivo - comer uma sandes de presunto.

Consideremos o padrão de alguns dos inúmerosos fatores de produção que estão envolvidos numa economia moderna desenvolvida para produzir uma sandes de presunto como um bem para os consumidores. Normalmente, para produzir uma sandes de presunto para o João na sua poltrona, é necessário que a sua mulher gaste energia e tempo para desembrulhar o pão, cortar o presunto, colocar o presunto entre as fatias de pão, e levá-lo ao João. Todo este trabalho pode ser chamado de trabalho da dona de casa. 

Os fatores de produção que são diretamente necessários para chegar aos consumidores são, então:

  • o trabalho da dona de casa, 
  • o pão na cozinha, 
  • o presunto na cozinha, e 
  • uma faca para cortar o presunto.
  • Também é necessária a terra para ter espaço para viver e continuar estas atividades. 
  • Além disso, este processo deve, naturalmente, usar tempo, o que constitui outro fator de produção indispensável. 
Os fatores acima referidos podem ser chamados de bens de primeira ordem dos produtores, uma vez que, neste caso, estes cooperam na produção do bem dos consumidores. No entanto, muitas das mercadorias dos produtores de primeira ordem também não estão disponíveis de natureza e devem ser produzidas, com a ajuda de bens de outros produtores. 

Assim, o pão na cozinha deve ser produzido com a cooperação dos seguintes fatores:

  • pão-na-loja e 
  • trabalho de dona de casa para o transportar 
  • mais o sempre presente land-as-standing-room, e o tempo. 
Neste procedimento, estes fatores são bens de segunda ordem dos produtores, uma vez que cooperam na produção de mercadorias de primeira ordem. Os fatores de ordem mais elevados são os que cooperam na produção de fatores de ordem inferior.

Assim, qualquer processo (ou estrutura) de produção pode ser analisado como ocorrendo em diferentes fases. Nas fases anteriores ou "mais elevadas", é necessário produzir bens de produtores que, posteriormente, cooperem na produção de bens de outros produtores que, finalmente, cooperem na produção do bem desejados pelos consumidores . Assim, numa economia desenvolvida, a estrutura de produção do bem para um determinado consumidor pode ser muito complexa e envolver numerosas fases.

No entanto, podem ser retiradas conclusões gerais importantes que se aplicam a todos os processos de produção. 

  • Em primeiro lugar, cada fase de produção demora um certo tempo tempo. 
  • Em segundo lugar, os fatores de produção podem ser divididos em duas classes: as que são elas próprias produzidas, e as que já se encontram disponíveis na natureza — no ambiente do homem. 
Estes últimos podem ser utilizados como meios indiretos sem terem sido previamente produzidos; o primeiro deve ser produzido primeiro com a ajuda de fatores, a fim de ajudar nas fases posteriores (ou "inferiores") da produção. 

Os primeiros são os fatores de produção produzidos; estes últimos são os fatores originais de produção. Os fatores originais podem, por sua vez, ser divididos em duas classes: as despesas com a energia humanae a utilização de elementos não humanos fornecidos pela natureza. O primeiro chama-se Trabalho; este último é Natureza ou Terra.11 Assim, as classes de fatores de produção são o Trabalho, a Terra, e os fatores produzidos, que são denominados Bens de Capital.

Trabalho e Terra, de uma forma ou de outra, entram em cada fase da produção. O trabalho ajuda a transformar as sementes em trigo, o trigo em farinha, os porcos em presunto, a farinha em pão, etc. O trabalho  está sempre presente em todas as fases da produção, como aliás a Natureza. A terra deve estar disponível para dar espaço em cada fase do processo, e o tempo, como já foi dito acima, é necessário para cada fase. Além disso, se quisermos rastrear cada fase da produção até às fontes originais, temos de chegar a um ponto em que apenas a mão-de-obra e a natureza existiam e em que não havia bens de capital. Isto deve ser verdade por uma dedução lógica, uma vez que todos os bens de capital terão que ter sido produzidos em fases anteriores com a ajuda de mão-de-obra. Se pudéssemos rastrear cada processo de produção bem longe no tempo, temos de ser capazes de chegar ao ponto - a fase inicial - em que o homem combinou as suas forças com a natureza sem ajuda dos factores de produção produzidos. Felizmente, não é necessário que os actores humanos desempenhem esta tarefa, uma vez que a ação utiliza materiais disponíveis no presente para chegar aos objectivos desejados no futuro, e não há necessidade de nos preocuparmos com os desenvolvimentos no passado.

Há outro tipo de factor de produção que é indispensável em cada fase de cada processo de produção. A tecnologia, como proceder de uma fase para outra e finalmente chegar ao bem desejado dos consumidores. Esta é apenas uma aplicação da análise acima, nomeadamente, que para qualquer acção, deve haver um plano ou ideia do actor sobre como utilizar os meios, como caminho, para os fins desejados. Sem tais planos ou ideias, não haveria acção. Estes planos podem ser chamados receitas; são ideias de receitas que o actor utiliza para chegar ao seu objectivo. Uma receita deve estar presente em cada fase de cada processo de produção a partir da qual o actor passa a uma fase posterior. O actor deve ter uma receita para transformar ferro em aço, trigo em farinha, pão e presunto em sanduíches, etc.

A característica distintiva de uma receita é que, uma vez apreendida, não tem de ser aprendida de novo. Lembrada, já não tem de ser criada de novo; permanece com o actor como um factor de produção ilimitado que nunca se desgasta ou precisa de ser economizada pela acção humana. Torna-se uma condição geral de bem-estar humano, da mesma forma que o ar.12

Deve ficar claro que o fim do processo de produção - o bem do consumidor - é valorizado porque é um meio directo para satisfazer as necessidades ou desejos do homem. O bem do consumidor é consumido, e este acto de consumo constitui a satisfação dos desejos humanos. Este bem do consumidor pode ser um objecto material como o pão ou um bem imaterial como a amizade. A sua importante qualidade não é se é material ou não, mas se é valorizado pelo homem como um meio de satisfazer as suas necessidades. A esta função do bem do consumidor chama-se o seu serviço na satisfação dos desejos humanos. Assim, o pão material não é valorizado por si mesmo, mas pelo seu serviço na satisfação de necessidades; tal como uma coisa imaterial, como a música ou os cuidados médicos, é obviamente valorizada por tal serviço. Todos estes serviços são "consumidos" para satisfazer desejos. "Económico" não é de forma alguma equivalente a "material".

É também evidente que os factores de produção - os vários bens dos produtores de ordem superior - são valorizados apenas devido à sua utilidade antecipada para ajudar a produzir bens futuros para os consumidores ou para produzir bens de produtores de ordem inferior que ajudarão a produzir bens de consumidores. A avaliação dos factores de produção deriva da avaliação dos actores dos seus produtos (fases inferiores), mas todos acabam por derivar a sua avaliação a partir do resultado final - o bem dos consumidores.13

Além disso, o facto omnipresente da escassez dos bens dos consumidores deve reflectir-se novamente na esfera dos factores de produção. A escassez dos bens dos consumidores deve implicar uma escassez dos seus factores. Se os factores fossem ilimitados, então os bens dos consumidores também seriam ilimitados, o que não é o caso. Isto não exclui a possibilidade de alguns factores, tais como processos de fabrico, poderem ser ilimitados e, portanto, condições gerais de bem-estar em vez de meios indirectos escassos. Mas outros factores em cada fase da produção devem ser escassos, e isto deve ser responsável pela escassez do produto final. A busca incessante do homem por formas de satisfazer os seus desejos - ou seja, de aumentar a sua produção de bens dos consumidores - assume duas formas: aumentar a sua oferta disponível de factores de produção e melhorar as suas receitas.

Embora tenha parecido evidente que existem vários factores de produção em cada fase da produção, é importante perceber que para cada bem de consumidor há sempre mais do que um factor escasso de produção. Isto está implícito na própria existência da acção humana. É impossível conceber uma situação em que apenas um factor de produção produza um bem dos consumidores ou mesmo avance um bem dos consumidores desde a sua fase anterior de produção. Assim, se a sanduíche na poltrona não exigisse os factores de cooperação na fase anterior (trabalho de preparação, transporte, pão, presunto, tempo, etc.), então estaria sempre no estatuto de um bem de consumo na poltrona. Para simplificar o exemplo, suponhamos que a sanduíche já está preparada e na cozinha. Então, para produzir um bem do consumidor a partir desta fase, são necessários os seguintes factores: (1) o sanduíche; (2) transportá-lo para a poltrona; (3) tempo; (4) o espaço disponível. Se partirmos do princípio de que apenas necessitava de um factor - a sanduíche - então teríamos de partir do princípio de que a sanduíche se movia magicamente e instantaneamente da cozinha para a poltrona sem esforço. Mas neste caso, o bem do consumidor não teria de ser produzido, e estaríamos na hipótese impossível do Paraíso. Do mesmo modo, em cada fase do processo produtivo, o bem deve ter sido produzido por pelo menos mais de um factor de cooperação (de ordem superior) escasso; caso contrário, esta fase de produção não poderia de modo algum existir.

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  • 10.The common distinction between “economic goods” and “free goods” (such as air) is erroneous. As explained above, air is not a means, but a general condition of human welfare, and is not the object of action.
  • 11.The term “land” is likely to be misleading in this connection because it is not used in the popular sense of the word. It includes such natural resources as water, oil, and minerals.
  • 12.We shall not deal at this point with the complications involved in the original learning of any recipe by the actor, which is the object of human action.
  • 13.Cf. Carl Menger, Principles of Economics (Glencoe, Ill.: The Free Press, 1950), pp. 51–67.

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1-FUNDAMENTOS DA ACÇÃO HUMANA (1) 1.A - O Conceito de Actividade (1) 1.B - O homem como "actor" individual (1) 1.C - Os Meios ou Bens (1) 1.D - O factor Tempo (1) 1.E - Fins e Valores alternativos (1) 1.F - Lei de Utilidade Marginal (1) 1.G - Rendimento dos Factores de Produção (1) 1.H - Convertibilidade e Valorização dos Factores de Produção (1) 1.I - Trabalho vs Lazer (1) 1.J - A Formação de bens de Capital (1) 1.K - A Acção como Troca (1) 1.X- Praxeologia e Economia (1) 2-A TROCA DIRECTA (1) 2.A - Tipos de Acções Interpessoais: Violência (1) 2.B - Tipos de Ação Interpessoal: Intercâmbio Voluntário e Sociedade Contratual (1) 2.C - Troca e Divisão do Trabalho (1) 2.D - Termos de Troca (1) 2.E - Determinação do Preço: Preço do equilíbrio (1) 2.F - Elasticidade da Procura (1) 2.G - Especulação Oferta e Procura (1) 2.H. Stock e a Procura Total em Espera (1) 2.I - Mercados contínuos e alterações de preços (1) 2.J - Especialização e Produção de Stock (1) 2.K - Tipos de bens permutáveis (1) 2.L - Propriedade: A Apropriação de Terras Virgens (sem interesse) (1) 3-A TROCA INDIRECTA (1) 3.A - As Limitações da Troca Direta (1) 3.B - O Aparecimento da Troca Indireta (1) 3.C - Algumas implicações da emergência do dinheiro (1) 3.D - A Unidade Monetária (1) 3.E - Receitas monetárias e despesas com dinheiro (1) 3.F - Despesas dos produtores (1) 3.G - Maximizar os rendimentos e alocação de recursos (1) 4. Preços e Consumo (1) 5. Produção: A Estrutura (1) 6. Produção: As Taxas de Juro (1) 7. Produção: Preço geral dos fatores (1) 8. Produção: Empreendedorismo e Mudança (1) 9. Produção: Preços particulares dos fatores e rendimentos produtivos (1) A10. Monopólio e Concorrência (1) A11. Dinheiro e Seu Poder de Compra (1) A12. A Economia da Intervenção Violenta no Mercado (1) Actores colectivos (1) Acção (1) Uma crítica à Teoria do Valor do Trabalho (1)

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