O homem como actor individual
A primeira constatação sobre a acção humana é que ela só pode ser levada a cabo por "actores ou agentes" individuais.
Não existem acções de "grupos", "colectivos" ou "Estados" de per si, que não derivem das acções de de indivíduos específicos. Os "colectivos" ou "grupos" não têm actuações independentes, para além das dos seus membros individuais.
Assim, podemos dizer que a actividade dos "governos" é meramente uma metáfora; na verdade, certos indivíduos têm uma certa relação com outros indivíduos e agem de uma forma que eles e os outros indivíduos reconhecem como "governamentais". [Dizer que só os indivíduos agem não é negar que são influenciados nos seus desejos e ações pelos atos de outros indivíduos, que podem ser colegas de várias sociedades ou grupos.]
A metáfora não deve ser tomada para significar que a própria instituição coletiva tem qualquer acção para além dos actos dos vários indivíduos que dela fazem pate. Da mesma forma, um indivíduo pode ser contratado para actuar como agente na representação de outro indivíduo ou em nome da sua família. Ainda assim, só os indivíduos podem desejar e agir. A existência de uma instituição como o governo só se torna significativa na influência das acções individuais daqueles que não são considerados seus membros.
Para existir a acção, não basta que cada homem tenha fins a atingir e que gostaria de alcançar. Ele também deve saber que certos comportamentos lhe permitem atingir os seus fins. Um homem pode ter um desejo de sol, mas se perceber que não pode fazer nada para alcançá-lo, não age sobre esse desejo. Deve ter a noção de que os fins são alcançãveis e de como alcança-los.
A acção consiste, assim, no comportamento dos indivíduos orientados para os fins, da forma que acreditam que irá cumprir o seu objectivo. A acção requer uma visualização de um fim desejado e de que formas pode atingi-lo.
Os homens encontram-se num certo ambiente, ou situação. É deste ponto de partida que o indivíduo decide mudar de alguma forma para atingir os seus fins. Mas o homem só pode trabalhar com os inúmeros elementos que encontra no seu ambiente, reorganizando-os para alcançar a satisfação dos seus fins. Com referência a qualquer acto, o ambiente externo ao indivíduo pode ser dividido em dois tipos:
- os elementos que ele sabe que não pode controlar e, por isso, deixa intocados, e
- aqueles que pode alterar (ou melhor, pensa que pode alterar) para chegar aos seus fins.
Toda a existência humana acontece num determinado tempo presente. A lógica humana nem sequer pode conceber uma existência ou ação que não ocorra através do tempo. Numa altura em que um ser humano decide agir para atingir um fim, o seu objetivo, ou o seu fim, pode ser finalmente e completamente atingido apenas nalgum momento no futuro.
Se os fins desejados pudessem ser alcançados instantaneamente no presente, então os fins do homem seriam todos alcançados e não haveria razão para ele agir. Por isso, um ator escolhe meios do seu ambiente, de acordo com as suas ideias e objectivos, para chegar a um fim esperado, completamente alcançável nalgum momento do futuro. Para qualquer ação, podemos distinguir entre três períodos de tempo envolvidos:
- o período anterior à ação,
- o tempo absorvido pela ação e
- o período após a conclusão da ação.
O tempo é sempre escasso. Não é infinito. Além disso, todas as ações devem ter lugar ao longo do tempo. Portanto, o tempo é um meio que o homem deve usar para chegar aos seus fins. É um meio que é omnipresente em toda a ação humana.
O tempo é escasso para o homem apenas porque qualquer que seja o fim que ele pretenda satisfazer, haverá outros que vão permanecer insatisfeitos. Há, assim, necessidade de uma escolha entre os fins. Por exemplo, o João está interessado em ver um jogo de futebol na televisão, é confrontado com a escolha de passar a próxima hora em:
- (a) a assistir ao jogo de futebol,
- (b) a jogar "à sueca", ou
- (c) ir para um passeio.
Deste exemplo de ação, muitas implicações podem ser deduzidas.
- Em primeiro lugar, todos os meios são escassos, ou seja, limitados em relação aos fins que poderiam eventualmente servir. Os meios em abundância ilimitada, [o ar que respiramos, por exemplo] não precisam de ser alvo de atenção de qualquer ação humana. Não é necessário decidir, como com o tempo, qual dos fins em conflito é o mais importante, uma vez que é suficientemente abundante para todas as necessidades humanas. O ar, embora indispensável, não é um meio, mas uma condição geral da ação humana e do bem-estar humano.
- Em segundo lugar, os meios escassos devem ser escolhidos pelo ator para servir determinados fins e deixar outros fins por satisfazer, ou para satisfazer mais tarde. Este ato de escolha pode ser chamado de economização dos meios para servir os fins mais desejados. O tempo, por exemplo, deve ser economizado pelo ator para servir os fins prioritários. O ator pode ser interpretado como classificando os seus fins alternativos de acordo com a sua valorização dos mesmos. Esta escala de prioridades pode ser descrita como atribuindo valores relativos desiguais aos fins que se deseja atingir. Assim, suponha que o João classificou os seus fins alternativos para o uso (consumo) de uma hora de tempo da seguinte forma:
(Primeiro) 1. a assistir ao jogo de futebol
(Segundo) 2. ir dar um passeio
(Terceiro) 3. jogar cartas
Esta era a sua escala de valores ou de preferências. O fornecimento de meios (tempo) disponíveis era suficiente para a realização de apenas um desses objectivos, e o facto de ter escolhido o jogo de futebol mostra que ele o classificou mais alto (ou primeiro). Suponha agora que ele tem duas horas disponíveis podendo passar uma hora em cada objectivo. Se ele passar uma hora no jogo e depois uma segunda hora a passear, isto indica que o seu ranking de preferências está como acima. O objectivo mais baixo do ranking - jogar cartas - não é cumprido. Assim, quanto maior for a oferta de meios disponíveis, mais desejos ou necessidades podem ser satisfeitas e menor o número das necessidades que vão permanecer insatisfeitas.
Outra conclusão a tirar é que a ação não significa necessariamente que o indivíduo executa um "movimento" por oposição ficar "passivo", no sentido literal dos termos. A ação não significa necessariamente que um indivíduo deixe de fazer o que está a fazer e faça outra coisa. Ele também age, como no caso acima, quando opta por continuar na sua ocupação anterior, embora a oportunidade de mudança tenha sido considerada. Continuar a ver o jogo é tanto ação como ir dar um passeio.
Além disso, a ação não significa, de todo, que o indivíduo demore muito tempo a decidir sobre a decisão a tomar. O indivíduo pode tomar a decisão e agir rapidamente, ou após grande reflexão, de acordo com a escolha preferida. Ele pode decidir sobre uma ação ponderada ou a quente; nenhum destes casos afeta o facto de estarem a ser tomadas decisões.
Outra implicação fundamental derivada da existência da ação humana é a incerteza do futuro. Isto é absolutamente verdadeiro, pois, caso contrário de nada valeria a possibilidade/necessidade de ação. Se o homem conhecesse antecipadamente os acontecimentos futuros, nunca agiria, uma vez que nenhum ato dele poderia mudar a situação. A ação seria ineficaz. Assim, o facto de ser levado a agir significa que o futuro é incerto para os atores e há uma escolha prévia do rumo desejado. Esta incerteza sobre os acontecimentos futuros decorre de duas fontes básicas:
- a imprevisibilidade dos atos humanos escolhidos e
- o conhecimento insuficiente sobre os fenómenos naturais. O homem não sabe o suficiente sobre fenómenos naturais para prever todos os seus desenvolvimentos futuros, e não pode saber o conteúdo de futuras escolhas humanas.
Resumindo: a característica distintiva dos seres humanos é que todos eles agem. A ação é um comportamento propositado e direccionado para o alcance de certos objectivos num futuro que envolverá o cumprimento de certos desejos. A ação implica a expectativa de um estado menos insatisfatório que o actual. O ator individual opta por utilizar meios à sua disposição para atingir os seus objectivos, economizando-os e direccionando-os para os fins mais valorizados.
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